setembro 01, 2006
agosto 26, 2006
agosto 17, 2006
agosto 16, 2006
agostinho da silva

Do que você precisa, acima de tudo, é de se não lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus. Se o criador o tivesse querido juntar a mim não teríamos talvez dois corpos ou duas cabeças também distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardaram no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhes:
a de se não conformarem. "
Agostinho da Silva
agosto 12, 2006
antónio gedeão

«(...) a minha escrita ocorre por si mesma. Há uma tradição que é os poetas estarem sentados à mesa com uma folha de papel à frente, em branco, à espera de uma coisa que lhes há-de surgir. Eu só escrevi depois. Os meus poemas foram sempre feitos mentalmente e depois passados ao papel (...)».
Rómulo de Carvalho
pedra filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
antónio variações

estou além
Não consigo dominar
Este estado de ansiedade
A pressa de chegar
Pra não chegar tarde
Não sei do que é que eu fujo
Será desta solidão
Mas porque é que eu recuso
Quem quer dar-me a mão
Vou continuar a procurar
a quem eu me quero dar
Porque até aqui eu só
Quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Porque eu só quero quem
Quem não conheci
Porque eu só quero quem
Quem eu nunca vi
Esta insatisfação
Não consigo compreender
Sempre esta sensação
Que estou a perder
Tenho pressa de sair
Quero sentir ao chegar
Vontade de partir
Pra outro lugar
Vou continuar a procurar
o meu mundo o meu lugar
Porque até aqui eu só
Estou bem aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
Porque eu só quero ir
Aonde não vou
Porque eu só estou bem
Aonde não estou
antónio aleixo

as quadras
simples, directo e muito compreensível ...
Sei que pareço um ladrão
mas há muitos que eu conheço
que sem parecer o que são
são aquilo que eu pareço.
Eu não tenho vistas largas,
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.
Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado pr'a quem lê
o que lá não está escrito.
A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente.
Muito contra o meu desejo,
sem lhe qu'rer dizer porquê,
finjo sempre que não vejo
quem finge que me não vê ...
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
quando consigas fazer
mais p'los outros que por tí !
Veste bem, já reparaste?
mas ele próprio ignora
que, por dentro, é um contraste
com o que mostra por fora
Diz que viver é sofrer ...
concordo. Mas não compreendo
que ninguem ouse dizer
que se aprende sofrendo.
Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.
Quem me vê dirá: não presta,
nem mesmo quando lhe fale
porque ninguem traz na testa
o selo de quanto vale.
Peço às altas competências
perdão, porque mal sei ler,
p'ra aquelas deficiências
que os meus versos possam ter.
Sou humilde, sou modesto;
mas, entre gente ilustrada,
talvez me digam que eu presto,
porque não presto pr'a nada.
Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria,
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
Há pessoas muito altas
do nome ilustrado e sério,
porque o oiro tapa as faltas
da moral e do critério.
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
Quantas sedas aí vão,
quantos colarinhos brancos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!
A ninguem faltava o pão,
se este dever se cumprisse :
u2013 ganharmos em relação
com o que se produzisse.
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado :
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.
Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão felizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.
Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.
Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os Homens são no fundo.
Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério !